sexta-feira, 6 de junho de 2008


Uma história de Moçambique

Esta é uma das muitas histórias que a minha amiga Beatriz (Chamemos-lhe assim…) me contou nas longas horas que passamos no nosso trabalho.
Beatriz, enfermeira de profissão, como eu… é uma mulher modelada por uma vida cheia. Contudo, tal como de uma adolescente se tratasse, é visível em cada palavra descrita por sua boca, todo o sentimento da memória reavivada.
Sempre com um estilo inigualável, Beatriz consegue sempre ser aquilo que se define de uma senhora.
Mas esta história aconteceu em Moçambique e envolve um carro conforme facilmente se adivinha.
Apesar de ser de uma família com aquilo a que antigamente se designava de “posses”, Beatriz desde cedo se revolveu a fazer pela vida pondo em uso a sua profissão…
Trabalhava então no hospital distrital de Téte em Moçambique.
Corriam os loucos anos sessenta, em que carros como o “carocha”, o mini ou o Fiat 600 eram reis da estrada. No caso em particular tratava-se do Renaut 8 de motor 1100, também um dos reis da estrada de então.
Veiculo adquirido a custo de economias, pela Beatriz para utilização diária. O Renaut 8 segundo, o seu relato era um veículo lindo de cor verde-claro, com uma lista preta a correr toda a carroçaria e motor traseiro…Enfim!
Neste momento é visível uma pontinha de emoção, nas palavras da minha amiga… Talvez da recordação feliz do seu carrinho ou da envolvente paisagem tropical que serviu de cenário a esta história.
Não sei! O que sei é que toda esta história revivida por Beatriz transpira de saudade de tempos e lugares já perdidos…
Voltando à história.
Beatriz namorava na altura um jovem ainda hoje descrito por ela como bonito e charmoso, mas bastante indeciso em termos de assumir uma relação que já à algum tempo se adivinhava entre os dois.
Corria o ano de 1971… Naquele dia a minha amiga como boa cozinheira (Que ainda é…) tinha-se decidido a fazer um cabrito assado para reunir com o seu grupo de amigos e família. Habito que ainda hoje mantêm com aqueles que ela designa de almoços tropicais… Mas isso é outra história…
Havia um cabrito para assar e era preciso que alguém o fosse buscar.
O jovem como qualquer rapaz solícito ofereceu-se prontamente para o ir buscar, só que…não tinha carro!
Beatriz com a simplicidade de quem ama lhe entregou as chaves do Renaut para ele ir buscar o cabrito.
O jovem pegou no carro e lá se pôs a caminho.
O tempo passou e nem cabrito, nem jovem, nem muito menos o carro apareciam.
Com o receio próprio do desconhecido, Beatriz começou a ficar assustada e preocupada, quando…
Com ar de miúdo que tinha feito asneira, lá apareceu ele com cara de assustado.
- Beatriz…
Diz ele em tom baixo!
- Tive um acidente na estrada de Matize…
- Estás bem?
Pergunta ela com aflição…
- Eu estou, mas o carro ficou muito mal tratado…
Esta parte da história, Beatriz descreve com um ar muito admirado, pois segundo ela e de acordo com o estado do carro, ainda hoje não percebe como foi possível ele sobreviver a tal aparato.
Na altura possuir um carro não era para qualquer um e para Beatriz o seu veículo do dia a dia estava irremediavelmente perdido…
Para o jovem… como poderia ele ressarcir a jovem enfermeira da perda daquele bem material (Embora hoje pareça ridículo, o preço de um Renaut 8 de 1100 rondava os 50 cts e nem toda a gente tinha facilidade em aceder a essa quantia)?
Percebendo a aflição do rapaz, a minha amiga com um olhar de malícia (que ainda hoje ao contar a história se consegue adivinhar…), diz-lhe assim…
- Sabes? Há uma maneira de ficares livre da divida…
- Como?
Pergunta ele curioso.
- É simples! Casas-te comigo, e a divida fica paga…
Nisto a Beatriz interrompe o relato com uma gargalhada gulosa de quem degusta um bom prato.
- A cara que o “gajo” fez… parece que o estou a ver com aquele ar incrédulo…
Engraçado… Mas trinta e dois anos depois, e sem conhecer esta história no contexto em que ocorreu… também a mim me parece estar a ver a cara do jovem.
Enfim! Do pobre Renaut 8 nada restou para alem desta história com um pedido de casamento algo insólito.
Não terá sido de todo em vão pois dois anos depois nascia desse casamento aquela que é hoje (Da minha idade.) a filha da Beatriz.



Luís Fernando de Oliveira e silva

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