sexta-feira, 6 de junho de 2008

Um sonho de Adolescencia




Á muito que a ideia de restaurar o primeiro carro que eu comprei me vinha atormentando. A vida, porem nem sempre permite perseguir sonhos e por vezes temos de esperar até atingir as condições de realização dos nossos desejos.
O sprint veloce foi um dos carros de culto da minha adolescência ou não se trata-se de um coupe típico.
A presença da adrenalina intensificava-se com aquele som distante e rouco que antevia a passagem do carro dos meus sonhos em frente dos meus olhos.
Como nem sequer tinha carta ou possibilidade de a ter com quinze anos, o desejo ia sendo contido… embora nunca tivesse passado de todo.
Em Janeiro de 1996, a velha carrinha Fiat 128 começava a dar amplos sinais de desgaste em relação á utilização que lhe era exigida.
Junto com o meu pai decidimos que já era tempo de surgir um novo veículo de transporte na família (Sem nunca desprezar a amada branquinha que continuaria a ser utilizada pelo meu pai…)
Fomos até um stand em Setúbal, de um amigo do meu pai para ver as possibilidades de compra mais imediatas…
Ao fundo stand lá estava a inspiração da adolescência, o desejo contido ao alcance de um cheque…
Um Alfa Romeo Sprint veloce de 1987 de cor cinzenta com apenas 42.000kms a pedir por tudo…
Compra-me!!!
Foram todas a economias conseguidas em seis meses de trabalho, 750cts mas valeu a pena.
Este foi o começo de uma grande amizade da qual nunca mais abdiquei!
Durante seis anos este foi o meu companheiro fiel para qualquer deslocação.
As saídas com a namorada, mais tarde esposa uma ou outra viagem pelo norte de Portugal e claro… as deslocações quase diárias para o emprego em Setúbal, foram estreitando este relacionamento de amizade.
Em 2001 o meu “amigo” já com 100.000kms acusava os primeiros sinais de cansaço. Começava a gastar óleo entre os intervalos da revisão e a força de “trepador”, em subidas, já obrigava a trabalho de caixa de velocidades.
A velocidade de curso continuava a ser uma tónica mas o velho Alfa estava a ficar indiscutivelmente cansado.
Estava a chegar ao momento de trocar de veículo…
As deslocações para Setúbal já imponham a necessidade de um carro mais económico, assim como as necessidades familiares não eram já compatíveis com um coupe.
Mas podemos alguma vez abandonar um amigo só por que deixou de nos interessar?
Claro que não!
O novo carro a diesel foi comprado mas o Alfa Romeo sprint continuaria a existir no seio da família!
Primeiro tratar do motor.
Com o apoio do mestre Fernando Neto o motor foi retirado e revisado ao mais ínfimo pormenor, levando apoios novos, segmentos, rolamentos e tudo a que um motor saído de fábrica teria direito mais o carinho e gosto pessoal deste amigo mecânico. A antiga pujança do meu carrinho foi assim recuperada até ao mais ínfimo pormenor.
No final desta grande revisão diz-me assim o mecânico:
Só os segmentos acusavam desgaste… todos os restantes órgãos mantinham as medidas de fabrica… É muito raro encontrar sprints assim (O mesmo digo eu em relação a mecânicos…).
Faltava agora a plástica… Em termos de chapa o Sprint estava muito estragado com zonas de corrosão tão acentuadas que uma simples caneta era suficiente para atravessar a chapa de um lado a outro.
Foi necessário aguardar mais de um ano até reunir as condições necessárias a um restauro cuidado. Em Março de 2004 entrou numa oficina de bate chapa e pintura para ficar, durante cinco meses submetido aos cuidados do mestre Custódio na Auto-escapes do Sul, no Barreiro.
Dificuldades?
Frisos laterais; elevadores dos vidros traseiros e tecido para os estofos.
Apesar do modelo não possuir ainda 20 anos é impressionante a dificuldade em arranjar peças de substituição. Inclusive na própria marca.
Mas enfim…
O meu Sprint está de novo nas estradas com toda a honra que merece, e a partir de agora está de novo pronto para a acção e para se encontrar com outros clássicos do mesmo nível.
Vale ou não vale a pena sonhar?

Luís Fernando de Oliveira e Silva

Uma história de Moçambique

Esta é uma das muitas histórias que a minha amiga Beatriz (Chamemos-lhe assim…) me contou nas longas horas que passamos no nosso trabalho.
Beatriz, enfermeira de profissão, como eu… é uma mulher modelada por uma vida cheia. Contudo, tal como de uma adolescente se tratasse, é visível em cada palavra descrita por sua boca, todo o sentimento da memória reavivada.
Sempre com um estilo inigualável, Beatriz consegue sempre ser aquilo que se define de uma senhora.
Mas esta história aconteceu em Moçambique e envolve um carro conforme facilmente se adivinha.
Apesar de ser de uma família com aquilo a que antigamente se designava de “posses”, Beatriz desde cedo se revolveu a fazer pela vida pondo em uso a sua profissão…
Trabalhava então no hospital distrital de Téte em Moçambique.
Corriam os loucos anos sessenta, em que carros como o “carocha”, o mini ou o Fiat 600 eram reis da estrada. No caso em particular tratava-se do Renaut 8 de motor 1100, também um dos reis da estrada de então.
Veiculo adquirido a custo de economias, pela Beatriz para utilização diária. O Renaut 8 segundo, o seu relato era um veículo lindo de cor verde-claro, com uma lista preta a correr toda a carroçaria e motor traseiro…Enfim!
Neste momento é visível uma pontinha de emoção, nas palavras da minha amiga… Talvez da recordação feliz do seu carrinho ou da envolvente paisagem tropical que serviu de cenário a esta história.
Não sei! O que sei é que toda esta história revivida por Beatriz transpira de saudade de tempos e lugares já perdidos…
Voltando à história.
Beatriz namorava na altura um jovem ainda hoje descrito por ela como bonito e charmoso, mas bastante indeciso em termos de assumir uma relação que já à algum tempo se adivinhava entre os dois.
Corria o ano de 1971… Naquele dia a minha amiga como boa cozinheira (Que ainda é…) tinha-se decidido a fazer um cabrito assado para reunir com o seu grupo de amigos e família. Habito que ainda hoje mantêm com aqueles que ela designa de almoços tropicais… Mas isso é outra história…
Havia um cabrito para assar e era preciso que alguém o fosse buscar.
O jovem como qualquer rapaz solícito ofereceu-se prontamente para o ir buscar, só que…não tinha carro!
Beatriz com a simplicidade de quem ama lhe entregou as chaves do Renaut para ele ir buscar o cabrito.
O jovem pegou no carro e lá se pôs a caminho.
O tempo passou e nem cabrito, nem jovem, nem muito menos o carro apareciam.
Com o receio próprio do desconhecido, Beatriz começou a ficar assustada e preocupada, quando…
Com ar de miúdo que tinha feito asneira, lá apareceu ele com cara de assustado.
- Beatriz…
Diz ele em tom baixo!
- Tive um acidente na estrada de Matize…
- Estás bem?
Pergunta ela com aflição…
- Eu estou, mas o carro ficou muito mal tratado…
Esta parte da história, Beatriz descreve com um ar muito admirado, pois segundo ela e de acordo com o estado do carro, ainda hoje não percebe como foi possível ele sobreviver a tal aparato.
Na altura possuir um carro não era para qualquer um e para Beatriz o seu veículo do dia a dia estava irremediavelmente perdido…
Para o jovem… como poderia ele ressarcir a jovem enfermeira da perda daquele bem material (Embora hoje pareça ridículo, o preço de um Renaut 8 de 1100 rondava os 50 cts e nem toda a gente tinha facilidade em aceder a essa quantia)?
Percebendo a aflição do rapaz, a minha amiga com um olhar de malícia (que ainda hoje ao contar a história se consegue adivinhar…), diz-lhe assim…
- Sabes? Há uma maneira de ficares livre da divida…
- Como?
Pergunta ele curioso.
- É simples! Casas-te comigo, e a divida fica paga…
Nisto a Beatriz interrompe o relato com uma gargalhada gulosa de quem degusta um bom prato.
- A cara que o “gajo” fez… parece que o estou a ver com aquele ar incrédulo…
Engraçado… Mas trinta e dois anos depois, e sem conhecer esta história no contexto em que ocorreu… também a mim me parece estar a ver a cara do jovem.
Enfim! Do pobre Renaut 8 nada restou para alem desta história com um pedido de casamento algo insólito.
Não terá sido de todo em vão pois dois anos depois nascia desse casamento aquela que é hoje (Da minha idade.) a filha da Beatriz.



Luís Fernando de Oliveira e silva